30.9.15
29.9.15
28.9.15
" Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme. - Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples: - Sim, já beijei antes uma mulher. - Quem era ela? perguntou com dor. Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer. O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros. E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca. E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo. A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava. E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos. Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando. O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos. De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos. Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água. E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra. Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua. Ele a havia beijado. Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido. Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil. Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele... Ele se tornara homem."
27.9.15
26.9.15
25.9.15
" Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O jeito é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. Sem despesas"
24.9.15
" Selecionei as neuroses mais comuns e que podem nos levar além da fronteira convencionada: necessidade neurótica de agradar os outros. Necessidade neurótica de poder. Necessidade neurótica de explorar os outros. Necessidade neurótica de realização pessoal. Necessidade neurótica de despertar piedade. Necessidade neurótica de perfeição e inatacabilidade. Necessidade neurótica de um parceiro que se encarregue da sua vida – ô! Deus – mas desta última necessidade só escapam mesmo os santos. E algumas feministas radicais."
23.9.15
22.9.15
21.9.15
20.9.15
19.9.15
18.9.15
16.9.15
15.9.15
14.9.15
Parada cardíaca
Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.
Paulo Leminski
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.
Paulo Leminski
13.9.15
12.9.15
11.9.15
A 10 de Março de 2002 descemos uma 5th Avenue deserta e fria. Iamos subir ao Empire State Building, que voltara a ser o maior edifício de NYC. A 366 metros por minuto o céu fica mais perto. Não estava muita gente. Estava até muito pouca gente. Ali e na cidade inteira. De repente, duas enormes colunas de luz azul substituíram o World Trade Center. Ninguém falou, fotografou ou fez qualquer gesto.Olhamos simplesmente em silêncio. Depois descemos, voltamos pela Broadway até à 51. Nunca falamos muito sobre essa noite. Voltamos muitas vezes a NYC. Nunca fomos ao Ground Zero. Por respeito (...) Little Korea, Little Ukraine, Little Italy, Chinatown, Lower East Side, Little India, Yorville, Upper East Side, El Barrio, Hell’s Kitchen e o maravilhoso Harlem. Foi de “Littles” que se fez a “Big”. Não vi um unico “Novayorquino” de cabeça baixa nesse frio mês de Março de 2002. O que mudou foi o skiline, aquilo que os olhos alcançam. O “coração” da Big, continuou em “littles” batidas tum tum, tum tum, tum tum. NYC será sempre a cidade mais viva do mundo (...) Saudades de ti Madalena, por cá continuo ainda. Feliz, como tu querias. Beijos da Ria Formosa
10.9.15
"Está a fazer-se um livro. Faz-se sozinho. Divaga pelas casas alheias. Uma mulher pinta, outra escreve: para um livro que ainda não existe. Não querem, nenhuma dessas duas mulheres, saber para nada de um Pessoa imortal. Querem, nas nódoas do quotidiano dele, rimar as nódoas do nosso quotidiano."
9.9.15
Making Off | "Vem aí um livro de conselhos a casadas, malcasadas e algumas solteiras. São conselhos heteronímicos de Fernando Pessoa (que tantas vezes terá sido heterónimo de si mesmo). Vem aí um livro de solidão, a solidão de mulher num homem que, se as queria, não sabia como havia de as querer."
8.9.15
7.9.15
" Em todas as almas há coisas secretas cujo segredo é guardado até à morte delas. E são guardadas, mesmo nos momentos mais sinceros, quando nos abismos nos expomos, todos doloridos, num lance de angústia, em face dos amigos mais queridos - porque as palavras que as poderiam traduzir seriam ridículas, mesquinhas, incompreensíveis ao mais perspicaz. Estas coisas são materialmente impossíveis de serem ditas. A própria Natureza as encerrou - não permitindo que a garganta humana pudesse arranjar sons para as exprimir - apenas sons para as caricaturar. E como essas ideias-entranha são as coisas que mais estimamos, falta-nos sempre a coragem de as caricaturar. Daqui os «isolados» que todos nós, os homens, somos. Duas almas que se compreendam inteiramente, que se conheçam, que saibam mutuamente tudo quanto nelas vive - não existem. Nem poderiam existir. No dia em que se compreendessem totalmente - ó ideal dos amorosos! - eu tenho a certeza que se fundiriam numa só. E os corpos morreriam. "
6.9.15
Dimanche | A saudade é um batimento que rebenta assim | vinte e oito vezes desde meu ombro tatuado | de desastre até à rosa pendurada em sua boca | E o amor, neste caso específico, é um mergulho | destemido que deriva quase sempre de uma nota | climática apenas para convergir no osso frontal | do crânio do rei da ilusão – terno é o seu rosto | Senhor, os ossinhos do mundo são de mel e ouro.
5.9.15
" Barulho feio, tem gente no meio De ponta cabeça, a minha cabeça Bicho sem dono, sofro sem sono Cadê todo mundo? Será que no fundo? Gaiola de ouro, canário sem choro Dentro do quarto, pássaro preto Vida sem gosto, não te quero mais Mas os animais, lambem meu rosto Mente pra mim,mas não mente pra mim Me diz a verdade, fica à vontade Pele de cobra, coxa de atriz Fui infeliz, sou eu quem te diz Ninguém cantará, ninguém sofrerá Ninguém pintará, nem publicará Ninguém filmará, ressuscitará Ninguém sambará, ninguém lembrará De mim Tomo o metrô, tô no shopping sem dó Taí meu gogó, é só pra você Me pega aqui dentro, você vem no vento Não quero você, invento você Tô cheia de ódio, quebrei o agogô Criei a serpente, furei o meu bumbo Porém lá no fundo, ouvi de repente Toda essa gente, laialalaiá Um cara de sorte, quem é que me morde Pessoa esquisita, frase esquisita Amor sem futuro, por isso ele é puro Tô dentro dum corpo, procuro outro corpo Meu corpo é jardim, um sol só pra mim Na veia da noite, no umbigo da noite Carícia total, um cara legal Ninguém cantará, ninguém vai chorar Por mim"
4.9.15
3.9.15
2.9.15
1.9.15
ÚLTIMOS DIAS! Até 6 Setembro - N' O ARMÁRIO Viochene > Ana Vidigal
(fotografia de Raquel Melgue) + info aqui |
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