30.4.16

Folha de Sala | Choose to be Brave

Choose To Be Brave


“Havia dias assim, em que ela compreendia tão bem e via tanto que terminava numa embriaguez suave e tonta, quase ansiosa, como se as suas percepções sem pensamentos arrastassem-na em brilhante e doce turbilhão para onde, para onde...”
Clarice Lispector, in O Lustre,



As coisas mudam de lugar – menos o galo de louça  na prateleira mais alta – os dias passam elegantes e violentos, por vezes animalescos por vezes excêntricos, mas  sempre corajosos, como corajoso é o ato de agrafar o tempo no meio do tecido, uma punição pelo prazer de fazer, uma espécie de  arranca corações , a secreta nostalgia do prazer tirado a ferros.
Tudo pour le plaisir des yeux , sem vergonha, sem pudor e sem culpa.
A coragem dos tímidos
Cão sem dono
Carrasco Santa
Não jogo.

Aspereza
Agrura
Blue Velvet
O prazer solitário do sono

“Tudo o que o amor toca torna-se frondoso”, disse a padeira enquanto me embrulhava um pão de mistura ontem à tarde sem eu perceber bem porquê. Mas é assim.
As coisas mudam de lugar – menos o galo de louça  na prateleira mais alta.



ana vidigal
Abril de 2016



28.4.16

"Da sua chegada a São Paulo, em “Sampa” Caetano Veloso cantava: ”Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”. Este múltiplo de avessos, um reverso constante de (o)posições, encontra-se no trabalho de Ana Vidigal; o revirar incerto mas seguro de formas e de significados. Recorrendo frequentemente a imagens da cultura popular e a uma manipulação ardil e espirituosa da cultura erudita, desdobram-se os significados numa multiplicidade de avessos que redundam nas obras e na metodologia de Vidigal. Os trabalhos que se apresentam nesta exposição, pela referência evidente, poderiam ficar apenas em dois avessos: o título e a forma. Contudo, o avesso torna-se lado principal e a curiosidade vira-se para o lado oposto ao avesso, para o que se esconde nestas molduras ao contrário. Partindo de um espaço que, tanto estético quanto biográfico, pertence à artista, Vidigal considera sempre as suas obras na relação consigo mesma, permitindo depois a aproximação do espectador. Valendo-se do gesto que representa mostrar as costas de uma moldura, as obras presentes em AVESSO lidam com a incógnita das histórias do outro lado, dos conteúdos que se escondem entre molduras e parede. Esta incógnita existe para o espectador tanto como para a artista, já que aquelas molduras são retratos de família, daqueles que antigamente se davam a padrinhos e tios ou aos avós, e cujas pessoas retratadas morreram ou caíram em esquecimento. Ao considerar o avesso do avesso como lado inacessível e ao mesmo tempo desejado, Vidigal fomenta uma curiosidade por um passado que, ironicamente, é uma premonição do futuro inevitável."

(obrigada Miguel Mesquita)