Em 2019, o Museu Arpad Szenes –
Vieira da Silva celebra o vigésimo quinto
aniversário de abertura ao público.
É no âmbito desta celebração que, a
par das obras de Maria Helena Vieira
da Silva, o museu apresenta, entre 21
de Março e 23 de Junho, um projecto
expositivo com a assinatura de Pedro
Cabrita Reis: A Metade do Céu. O artista
propõe uma exposição colectiva inteira
e declaradamente liberta de qualquer
condicionalismo temático,
desprovida de uma narrativa curatorial
e que se quer, aliás, alheia ao artifício
discursivo. Ora, antes assente numa intenção
elementar, nessa vontade axiomática,
já inabalável: «[...] que fosse,
muito simplesmente, um modo de revelar
o pensamento, o olhar e a prática
criativa d’A metade do ceú [...]» –
aquela que, segundo Mao Tsé-Tung,
toda e qualquer mulher sustenta. É a
partir desta expressão, achada num
texto atribuído ao líder chinês, que o
artista concebe e desdobra o projecto
expositivo, lembrando, ainda assim,
«[...] que a arte foi e será sempre avessa
e imune à ideologia...». Importa, sobretudo,
esse intento exordial. Importa
trazer ao encontro de Vieira da Silva
uma perspectiva singular – pessoal,
afectiva, decerto apaixonada – sobre
essa outra metade.
Pedro Cabrita Reis traz ao Museu
Arpad Szenes – Vieira da Silva uma
importante selecção «[...] de Josefa de
Óbidos até ontem [...]», para celebrar
o contraste, o princípio da divergência.
A metade do céu instaura um território
de confronto – e, desde logo,
pelo seu carácter pluridisciplinar, convocando
o desenho e a pintura, a escultura
e a instalação, a fotografia e o
vídeo. Contudo, a demanda pela alteridade
está para lá da dimensão formal.
Interessa o conflito, tanto ou mais
que o consenso. Há que atentar, muito
particularmente, no conflito que lateja
em cada trajectória, contrariando
uma visão padronizante eventualmente
alimentada pela (ou por alguma)
história da arte. Pois que esta exposição
perscruta o lado lunar de cada artista,
dando a ver, sempre que possível,
o que menos se espera dela – uma
ou outra obra não tão frequentemente
mostrada, talvez até desfasada, de
algum modo inusitada. É o caso de
Menez, Ana Hatherly ou Helena
Almeida. A metade do céu traduz uma
certa ânsia pelo estremecimento do
desvio epifânico, dessa queda absolutamente
primordial.
Por certo, mesmo a mais ilustre e
estudada artista é aqui apresentada
para e na iminência de ser redescoberta,
uma e outra vez, pelo olhar contemporâneo.
Há que trazer a natureza
morta de Josefa de Óbidos à luz da
produção artística actual – mais não
seja, em busca desse assombro. É justamente
na tangência, algures no interstício,
que se cumpre o desígnio da
exposição.
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