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(Lembro-me que parámos em Cachoeira do Itapemirim) | Nunca percebi se amei a pessoa que me colocou nas mãos um livro de Clarice aos vinte e três anos porque a amava ou simplesmente pela brutalidade do ato, ou seja ler de um fôlego “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres” numa viagem noturna entre Vitória e o Rio de Janeiro. Clarice morreu a 9 de Dezembro de 1977. Sobre ela escrevi mais tarde: “, estando tão ocupada:” Corpo pegajoso, de calções azuis e t-shirt branca. Copacabana. Cheguei hoje de manhã de Vitória. Não dormi. Havaianas nos pés. Está um calor insuportável, o Inverno aqui é assim. Corpo pegajoso. Ela deu-me um livro de Clarice Lispector. Chama-se Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Começa com uma vírgula. Nunca tinha lido nenhum livro começado por uma vírgula (e no fim, dois pontos). Li-o de um fôlego. E estou zonza. Corpo pegajoso, cabeça zonza. Amanhã faço vinte e três anos e sei que ela (…) Rio de Janeiro 5 de Agosto de 1983 O resto do meu diário não interessa. Pinto, não sei fazer mais nada. Na minha pintura utilizo colagens. Também colo/escrevo textos. São geralmente textos de outros. Quando escrevo coisas minhas também uso aspas. Evita muita pergunta. Tenho por vezes ataques de pânico durante a execução de uma tela. Sei por instinto que não está acabada, mas paraliso. A pintura é de pratica solitária e a “solidão é uma coisa que nos engole” – aqui está um bom exemplo do que faço na pintura. Quando chego a um impasse vou buscar um texto. Acho que nunca utilizei na pintura frases de Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Mas sei que muitas vezes sou Lóri, (como fui Lóri naquele Inverno quente do Rio de Janeiro) e como Lóri vou aprendendo a ser paciente. A ficar pronta para poder apanhar o momento. Ser Lóri é ter prazer sem culpa e a pintura dá-me muito prazer. Porque nada do que está antes interessa, como não interessa nada do que vem depois. Na pintura, como nas histórias de amor há que ser lúcida, mesmo que o corpo esteja pegajoso e a cabeça zonza. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres é uma obra fundamental no meu trabalho, pelo momento em que foi dado, pelo momento em que foi lido, pelo momento em que é necessário. Foi com ele que aprendi a saber com prazer, não perder o momento. Escrevo isto a 10 de Dezembro de 2008. Clarisse Lispector, que como eu gostava de fumar na cama, faria hoje 88 anos.