Domingo à Tarde, 2000 VideoVídeoIM33
Domingo à Tarde, apesar de ser um vídeo e Ana Vidigal ter-se afirmado sobretudo como pintora desde a década 1980, funciona como uma chave para toda a obra dado que revela a prática, a metodologia e o processo de Vidigal.
Assumidamente doméstico – câmara fixa, por vezes desfocado, azulejos em fundo –, o vídeo regista a artista a operar uma série de acções sobre o seu próprio rosto: primeiro, cobre-o de fita-cola dupla; depois, adiciona-lhe pioneses, plasticina, enclausura-o num saco de plástico transparente; finalmente, apresenta-o reflectido numa superfície espelhada que o deforma e transfigura com a ajuda das mãos e de sucessivos esgares e caretas.
Martha Rosler, Bruce Nauman, Helena Almeida e mesmo Francis Bacon ecoam nestas imagens, mas nunca de um modo epigonal, antes como consciência assumida que o acto artístico é sempre um aprofundamento ou um passo mais à frente, ou ao lado, daquilo que outros criadores fizeram. Os criadores podem vir de um passado artístico longínquo ou não; no caso de Vidigal, é um passado recente, é a arte do século XX: do modernismo à pop, passando pelo recurso ao texto e à ironia corrosiva do conceptualismo, bem como à desmontagem da iconografia da sociedade mediática operada pelo feminismo.
A auto-representação, a auto-referencialidade, a colagem, a sobreposição, a transparência e a utilização de materiais comuns, características que atravessam a obra de Vidigal, tudo está neste vídeo. Mas também a criação de uma espécie de máscara ou armadura que simultaneamente protege e afasta (se entrássemos em contacto com aquele rosto cravado de tachas magoar-nos-íamos). A sequência de acções do vídeo possui também algo de autopunição, a dada altura tememos mesmo que o rosto sufoque dentro do saco de plástico. Um ano mais tarde, a artista usou stills deste vídeo acrescentando-lhes texto para criar uma outra obra que tem um título revelador: Tornei-me Feminista para Não Ser Masoquista.
Isabel Carlos
Abril de 2013
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