Corpo pegajoso, de calções azuis e t-shirt branca. Copacabana. Cheguei hoje de manhã de Vitória. Não dormi. Havaianas nos pés. Está um calor insuportável, o Inverno aqui é assim. Corpo pegajoso. Ela deu-me um livro de Clarice Lispector. Chama-se Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Começa com uma vírgula. Nunca tinha lido nenhum livro começado por uma vírgula (e no fim, dois pontos). Li-o de um fôlego. E estou zonza. Corpo pegajoso, cabeça zonza. Amanhã faço vinte e três anos e sei que ela (…)
Rio de Janeiro 5 de Agosto de 1983
O resto do meu diário não interessa.
Pinto, não sei fazer mais nada.
Na minha pintura utilizo colagens. Também colo/escrevo textos.
São geralmente textos de outros. Quando escrevo coisas minhas também uso aspas. Evita muita pergunta.
Tenho por vezes ataques de pânico durante a execução de uma tela.
Sei por instinto que não está acabada, mas paraliso.
A pintura é de pratica solitária e a “solidão é uma coisa que nos engole” – aqui está um bom exemplo do que faço na pintura. Quando chego a um impasse vou buscar um texto.
Acho que nunca utilizei na pintura frases de Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres.
Mas sei que muitas vezes sou Lóri, (como fui Lóri naquele Inverno quente do Rio de Janeiro) e como Lóri vou aprendendo a ser paciente.
A ficar pronta para poder apanhar o momento.
Ser Lóri é ter prazer sem culpa e a pintura dá-me muito prazer.
Porque nada do que está antes interessa, como não interessa nada do que vem depois.
Na pintura, como nas histórias de amor há que ser lúcida, mesmo que o corpo esteja pegajoso e a cabeça zonza.
Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres é uma obra fundamental no meu trabalho, pelo momento em que foi dado, pelo momento em que foi lido, pelo momento em que é necessário.
Foi com ele que aprendi a saber com prazer, não perder o momento.
Escrevo isto a 10 de Dezembro de 2008. Clarisse Lispector, que como eu gostava de fumar na cama, faria hoje 88 anos.
(publicado na revista LER, Janeiro 2009)