Por isso ao ver a sala do Convento de São Francisco em Coimbra que me foi destinada, imaginei-me dentro de uma das minhas caixas de memórias alheias, submersa em centenas de papeis vegetais grosseiramente dobrados, mas delicadamente desenhados a lápis por uma das minhas avós, a materna, com os elementos decorativos que me aconchegaram a infância dourada e a conturbada adolescência, nos lençóis da minha cama de solteira.
Sabia que “essa caixa gigante” serie a base para como sempre, “espelhar” o momento. Eu pinto sobre o Tempo, e este seria um Tempo de perdas pessoais
e de solidões acompanhadas, de análise de felicidades fugazes, como que tomando consciência que tinha entrado no mês de setembro da minha existência.
Elaborei um projeto, onde nas paredes dessa caixa, “seria sempre meia noite no lugar de alguém”, aquela estranha hora em que nos equilibramos entre o que já passou e o que vamos passar.
Utilizaria para isso uma coleção de fotonovelas de Corín Tellado oferecida pelo Nuno Nunes-Ferreira, manipulando esquadrias, imagens, textos e como sempre a alienação da escala.
Tudo parecia composto.
Tenho insónias.
E a 24 de fevereiro a guerra na Ucrânia começou às 3h30.
Eu estava acordada e já tinha vivido a Guerra Fria e a carnificina na ex-Jugoslávia.
E assim com o horror visível em todos os écrans percebi que o Tempo que escolhera para “encher” a caixa tinha de ser outro, porque o Tempo era outro, tinha mudado num segundo. Seria mais... o que irá acontecer na meia noite do dia seguinte, se ainda se puder dizer que vai haver um dia seguinte.
Eu vivencio um Tempo infinito, um descalabro de valores amparado pelo horror do sofrimento.
Esta exposição, “Nada é mais Antigo que o Passado Recente” é sobre este tempo.
Susan Sontag poderia ser minha mãe. Ambas nasceram em 1933.
Eu, continuo a ler a Vogue Magazine, The World of Interiors, mas sei que estou a “Olhar o Sofrimento dos Outros”.
De longe como todo o mundo ocidental.
E é isto, de momento.
Ana Vidigal
12 de março de 2022