29.1.18
28.1.18
TOMA LÁ DÁ CÁ | Texto de Ana Vidigal e Nuno Nunes-Ferreira
Toma Lá Dá Cá
(o bom
pretexto)
FESTA, diz o Nuno
E eu
respondo: podiam ter sido de quermesses de aldeia, jogos de cama e atoalhados.
Venderam sonhos e utopias. Estão calados, mas não mudos. Jazem mortos e
arrefecem, como o menino de sua mãe.
VERÃO QUENTE, diz o Nuno
E eu
respondo: foi a adolescência da Revolução. (Fase de desenvolvimento de algo que se caracteriza pela juventude e pelo viço)
DUAS MARGENS,
diz o Nuno
E eu
respondo: há sempre um rio no meio. Saímos daqui chegamos lá. Vimos de lá
chegamos aqui. E pelo meio uma vida e o choro dos afogados, as letras caídas, o
video sem som e o grito desesperado: quero passar para o outro lado
O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO, diz o Nuno
E eu
respondo: procuro a minha imagem. Ela está lá. A de agora não é a de ontem e a
de ontem faz-me baixar os olhos. Sou tudo isto e não me encontro. Tenho medo de
partir.
TERRITÓRIO diz o Nuno,
E eu
respondo: “tivemos mais olhos que barriga”
AQUI, diz o Nuno
E eu
respondo: é da memória que falo, não daquilo que me contaram, mas do que ficou
escrito no arquivo do horror. São estátuas, sono e espancamentos. São carrascos
para punir. E vítimas, essas a nunca esquecer. Da vergonha.
DESANIMADOS diz a Ana
E eu respondo: não se pode andar animado, é quase proibido. Preso a uma triste pelicula transparente, uma pele fina e translúcida que na verdade é opaca e escura, um voyeurismo que controla atentamente todos os gestos, que oprime e retira o ar. Faltar o ar! Sim! Falta de ar... Estão com falta de ar..., E nós aqui imóveis, sem nada fazer, a vê-los lentamente sufocar.
E eu respondo: não se pode andar animado, é quase proibido. Preso a uma triste pelicula transparente, uma pele fina e translúcida que na verdade é opaca e escura, um voyeurismo que controla atentamente todos os gestos, que oprime e retira o ar. Faltar o ar! Sim! Falta de ar... Estão com falta de ar..., E nós aqui imóveis, sem nada fazer, a vê-los lentamente sufocar.
OÚ VA T’ON? diz a Ana
E eu respondo: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9…, 10! Aqui vou eu...
E eu respondo: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9…, 10! Aqui vou eu...
Onde
estás Ana? Estás aqui ou estás ali? Escondida nesta fotografia ou naquela? Quem
mais joga contigo este jogo de memória? Que passado foi este onde te escondes?
Quem escreveu isto? Quando? Onde? Não posso acreditar... a sério?
1, 2, 3 não se salva ninguém!
VOID diz a Ana
E eu repondo: o meu pai mais novo que o teu também escreveu cartas como estas, cartas enviadas às nossas mães que esperavam cá na Metrópole. E também fez estas mesmas fotografias. E também foi capitão. Tão novos que eram, juventude roubada numa terra que pensavam deles.
O meu pai foi parar a Angola, ao teu calhou-lhe a Guiné.
ESCRAVA OU RAÍNHA? diz a Ana
1, 2, 3 não se salva ninguém!
VOID diz a Ana
E eu repondo: o meu pai mais novo que o teu também escreveu cartas como estas, cartas enviadas às nossas mães que esperavam cá na Metrópole. E também fez estas mesmas fotografias. E também foi capitão. Tão novos que eram, juventude roubada numa terra que pensavam deles.
O meu pai foi parar a Angola, ao teu calhou-lhe a Guiné.
ESCRAVA OU RAÍNHA? diz a Ana
O MEU VESTIDO COR DO CÉU diz a Ana
O AMOR FAZ MILAGRES diz a Ana
E eu
repondo: se lhes tocas ficas marcado! Não é ameaça nem castigo, é mesmo a
constatação de uma verdade, um prenúncio do que acontecerá se lhes tocares. Os
títulos são bem visíveis, mas não se lê mais do que isso porque se lhes tocas
ficas marcado! Só se pode sonhar em tocar-lhes. Nem vale a pena sequer pensar
em puxar para ti com velocidade a narrativa como quem puxa um tapete debaixo
dos pés de alguém ou uma toalha de mesa na esperança que tudo fique no lugar
porque não vai resultar, se lhes tocas ficas marcado! Ficas com uma nódoa negra
semelhante a um hematoma difícil de esfregar; isto digo eu que nunca toquei mas
que te confesso um dia vir a tocar. Nem que seja assim devagarinho com a ponta
do dedo mindinho.
Ana Vidigal e Nuno Nunes Ferreira
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