16.1.12

Coisas maravilhosamente intemporais | sobre caixas e caixões e a memória (de madrugada)

"Dei por mim na meia-idade. Ironizei uma vez sobre essa classificação temporal que tanto tem a ver com insónias  osteoporose e suores nocturnos. Escrevi qualquer coisa sobre a meia-idade, a idade do meio ou a idade com meios sem saber que ela me apanharia na curva e desprevenida. Agora que já passei o meio do "tempo" que supostamente a esperança de vida do século XX (nem me lembro que estamos no XXI) me permitirá viver, percebo que cada vez menos as "coisas" me fazem falta.
Há na vida de todos nós momentos em que compramos livros, queremos ter discos e roupas e quadros nas paredes e sofregamente vamos acumulando coisas como se desse avolumar resultasse a nossa felicidade.
Hoje sei que a felicidade vem do nada. É-se feliz por momentos, rápidos e fugazes. É assim como um afrontamento ou um orgasmo. Rápido - há uns longos confesso, mas são mais raros. E o momento seguinte deixa-nos logo com suores frios e uma sensação de vazio no estomago (e não é fome) porque sabemos que esse pequeno fogacho, poderá só acontecer muito tempo de depois.
Fui feliz muitas vezes ao descer de carro a Avenida das Descobertas
Antes da curva que entra na Vasco da Gama, ao avistar os sinais lá em baixo sentia uma sensação de felicidade incontrolável que me deixou sempre perplexa. Eu nem tinha, ou tenho, grande empatia pelo restelo (passei lá toda a minha adolescência), mas tive picos de felicidade ali naquela avenida empedrada - onde até já fui multada por excesso de velocidade - vá lá saber-se porque.
Cada vez gosto mais de olhar para mãos nuas, onde os nós dos dedos, por vezes grossos, fazem a vez de aneís.
Essas coisas que enfiamos nos dedos para mim não fazem qualquer sentido e parecem - me anilhas como as das patas dos desgraçados dos pombos correio"